Costura Urbana!
Primeiro manifesto poético
Para a leitura deste primeiro manifesto poético vale lembrar “O Eu
profundo e os outros Eus”
de Fernando Pessoa
Costurar um no outro, costurar o Outro dentro do outro à ele
mesmo.
Lembrar ao outro que este Outro nele ainda existe.
Viemos costurar o Outro no outro*
Cremos que o Outro dentro desse outro é feito de sonhos*
Viemos para costurar o outro em seus sonhos e o sonho desse
Outro no outro ao sonho do Outro dentro dos outros, numa costura interna (aqui,
profundidade é questão de pele).
Do e no Trabalho:
é uma luz tão forte
que cega e fosca a vista, como um fleche, ou hologramas que projetam uma imagem
sugerida sob a luz anterior.
Desconfiando sempre da primeira face (da imagem projetada), descobrimos
que a maioria das pessoas que vemos de primeira não são elas, são elas esquecidas do Outro*
(luz do projetor antes da imagem a ser projetada).
Nas pessoas (outro), viemos para resgatar o Outro dentro –
cremos que este Outro dentro é que é o verdadeiro e que esse é o outro real.
Queremos afetar o
real do outro
Este Outro dos sonhos está distante – é como um parente
próximo que há tempos não visitamos, só pensamos nele vagamente (sempre culpados
pelo adiamento da visita – esse ano eu não fui por que não deu tempo, mas o
outro ano eu vou – e assim os anos se arrastaram no campo do “si”). Por conta
dos afazeres do dia a dia (afazeres de outro – este outro sou eu de fato?
– pergunta precisa para começar a se costurar) nunca paramos para
visitá-lo em sua casa.
Queremos unir estes parentes, levando um para visitar* à
casa do outro, para que o outro veja seus sonhos (Outro), em seguida se veja em
seus sonhos até que não ajam distinções entre eles.
(memória do futuro, viver o delírio, incorporação de uma leitura) *.
Queremos misturá-los e transformá-los em um Outro*
Com o nosso Trabalho, detectamos e passamos a crer que essa
costura que propomos fazer, na verdade nunca se desfez e que seria muita
pretensão achar que conseguiríamos executar este trabalho.
O que queremos através de nossos singelos atos, é lembrar o
outro da existência dessa Costura e dizer*, como ervas daninhas crescendo na
fresta da calçada, que ela está ai, incondicionalmente, como sempre esteve.
***
*Aqui, vemos o outro partido no fenômeno da vida prática que
separou o ser dos momentos de devaneio. Dos fenômenos que separaram a prática
da reflexão e a poesia do cotidiano. Não iremos identificá-los nem nomeá-los, pois
cremos que a humanidade padece em esticar o chiclete e assim como cremos que
falar da vida estica a vida, cremos que falar dos problemas aumentam os
problemas. Cremos que a humanidade está um passo a frente destas dificuldades, já
sendo elas superadas. Somos e devemos realizar a superação.
* aqui tratamos do sonho desperto, do sonho do claro da
luz do dia. Nunca o sonho do sono da noite, que nos assalta para uma água
furtada á qual nunca somos sujeitos e sequestrados só participamos. Falamos do
devaneio, do sonhar acordado, daquilo que nos invade nos momentos mais remotos
de ócio (momento gerador e de criatividade) e que fervendo nos domina a alma e
nos transporta de fato para outro lugar. Sabemos que o Devaneio é rejeitado
pelos programas da vida prática que tentam sem saber destituir a criação do
homem. Também sabemos que o devaneio foi esquecido pelos meios psicanalíticos
que se atinham somente aos restos do cotidiano. Por isso viemos através de
diálogos e momentos de prática, restituir e tirar a palavra devaneio do limbo,
resgatando os momentos perdidos para manifestar o que nos furta nestes
momentos, no mundo das formas.
*do outro de dentro – esquecer-se do outro de dentro é
esquecer do outro
*Aqui sabemos que visitar é habitar e que
se visitamos, por curto tempo que tenha este momento, habitamos este momento. O que
nos conforta, pois se dissemos em algumas linhas acima que, só pensamos vagamente nesse parente,
detectamos a habitação desse parente (outro) e vemos que o nosso trabalho (costura
urbana) não é nada mais que esticar este momento, alongando a sensação de
habitá-lo.
... acesso ao dom poético, de que o exemplo longínquo
foi a prática mística. Porque, hoje, o problema não é fundar a liberdade, mas
alargar seu âmbito, levá-la até o vivo, fazer de nós vivos no meio do vivo. (LLANSOL, 1994, p. 120).
*Aqui, pode-se demitir a manobra de “ver o sonho” e ir
direto ao exercício de “se ver no sonho”. Cremos que a escolha do trajeto
depende da espessura da blindagem que encobre o Outro do outro e nos impede de
ver o Outro no outro. Daí cabe à tarefa de inventar, criar e testar (fazejamento),
pois sabemos, mesmo desconfiando, que para quem não tem nenhum caminho, qualquer um serve. Mas uma certeza periférica nos ronda: onde
não tem ponte, se constrói a pinguela, o que não pode é ficar sem atravessar.
*Para verificar este Outro (novo até para nós), necessitamos
de algumas justificativas:
Mudarmos o nosso nome de Costura, para Mistura Urbana, pois é
isso que propomos aqui, misturar para ver o que vai dar. Acreditamos que, se
tratando de humanidade, a experiência do contato e da mistura é inevitável - em
casos extremos como grandes catástrofes e em coletivos urbanos, ela se
manifesta em evidencia.O Outro é com letra maiúscula no início por que diz de um Outro divino, um Outro a ser adivinhado, decifrado, recepcionado e trabalhado. Outro por vir.
Mudar o nome de Costura, para Postura Urbana, pois este Outro por vir vem ligado à novos conceitos de viver em sociedade. Ele é o novo homem para essa nova sociedade.
Aqui encerra nosso trabalho de dizer aos outros, sobre esse Outro “novo homem” que essa “sociedade nova” exige, pois ele já desponta na ponta da lança que nos atinge inevitavelmente. Nosso trabalho é o de ampará-lo. Aqui, não se trata de peixe grande, trata-se de pegar com a mão.
* Aqui dizer é fazer e fazer é dizer. Não dizemos ela, dizemos ela, nela.
Costura Urbana, março de 2012